terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE E SUA INSERÇÃO NA SOCIEDADE


Pe. Vileci Basílio Vidal[1]

As comunidades Eclesiais de Base (CEBs) no Brasil sempre se espelharam nas comunidades camponesas de resistências – Canudos, Contestado, Caldeirão - onde a vivência da fé proporcionava a mística da luta pela libertação, assim como o cristianismo entre os primórdios. A palavra “mística”, neste caso, “sinaliza a dimensão espiritual e ética do socialismo, a fé no combate revolucionário, o compromisso total pela causa emancipadora, disposição heroica para arriscar a própria vida” (LÖWY, 2005, P. 106).
Celebramos neste dia 12 de fevereiro de 2016, os 70 anos da morte do Beato José Lourenço Gomes da Silva, líder da comunidade do Sítio Caldeirão da Santa Cruz do Deserto que fora destruída pelas forças militares do governo em 11 de maio de 1937, mas somente 54 anos depois de sua destruição e após 45 anos da morte do beato, o que era oculto se manifestava através da ocupação das terras do Caldeirão pelo Movimento dos Sem Terra – MST. E os atores principais deste movimento, que procurou fazer conhecer o que era ignorado, foram camponeses integrantes da comunidade do Assentamento 10 de Abril que, perante outras formas de agricultura familiar não camponesa, tentam patentear a ideia da reconstituição do campesinato baseado numa agricultura familiar socioambiental e inspirada na história do Caldeirão do beato Zé Lourenço. Ou seja, a ideia inovadora é fazer do Assentamento 10 de Abril uma referência da memória do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto como ponto de cultura “Caldeirão Vivo” desse patrimônio sociocultural.
O problema da reconstituição do campesinato tem sido a modernização e tecnificação. Esse é o dilema camponês para contrabalançar as exigências do mundo exterior em relação às necessidades de seus familiares. Diante desse problema de razão social do capitalismo, surgem duas estratégias completamente diferentes como saídas para o campesinato brasileiro: a primeira delas é desenvolver a produção através de outros modos da agricultura familiar para atender o mercado; a segunda, reduzir o consumo. Frente a estas duas estratégias, o campesinato brasileiro, sobretudo no Nordeste, apenas consegue afirmar a segunda estratégia devido o rendimento ser à custa do próprio esforço da família numa cultura de subsistência. A redução do consumo se da pela eliminação de suas compras no mercado ao essencial, isto é, cria-se uma relação de confiança tanto quanto na capacidade da família produzir os alimentos básicos como os objetos necessários, sem precisar sair dos limites da sua terra.
O Caldeirão do beato Zé Lourenço conseguiu dar uma resposta a esta estratégia através de uma agricultura diversificada: algodão, cana-de-açúcar, árvores frutíferas, mandioca, milho, arroz, feijão, café, criação de animais, vazante de capim; e pela capacidade de produzir seus próprios objetos tanto de trabalho como de uso pessoal através de oficinas de utensílios necessários: oficina de ferreiro, oficina de carpinteiro, flandeiro, sapateiro, oleiro, coureiro, oficina de costura e outros, como produto de limpeza, medicina alternativa etc., não produzindo para o mercado, mas para o próprio consumo da comunidade.
Ao contrário do Caldeirão, a comunidade do Assentamento 10 de Abril, já com os seus 25 anos de posse da terra, ainda passa por um tipo de adaptação, uma combinação de atividades destinadas a sustentar o cultivador em sua luta pela sobrevivência individual e familiar, como de toda a comunidade de assentados, dentro de uma ordem social que o ameaça de extinção, podendo se configurar em um “determinismo econômico” nas relações entre campesinato e o capitalismo. Porém, a base de sustentação para o enfrentamento deste perigo tem sido o resgate da memória do Caldeirão e a apropriação de novas tecnologias para a desenvoltura de uma agricultura familiar camponesa socioambiental.
Podemos concluir este artigo afirmando que, enquanto o Estado segue a lógica da globalização, atuando claramente ao lado do capital, tentando transformar o camponês em agente do próprio Estado, através do modelo de agricultura familiar que atende a estratégia de incrementar a produção para o mercado; por outro lado, ainda existe uma resistência por parte daqueles camponeses que, no seu relacionamento com a terra, pensam na conservação da mesma como herança e que não a colocam a serviço do capital, mas do bem estar da família, considerando a diversidade camponesa como canal de força para o seu protagonismo no plano de reforma agrária para o Brasil. E as CEBs, enquanto Igreja inserida na sociedade procura alimentar esta utopia!

REFERÊNCIAS
CARVALHO, Horácio Martins. O campesinato no século XXI: possibilidades e condicionantes do desenvolvimento do campesinato no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2005.
LÖWY, Michael. A mística da revolução. In: Folha de São Paulo, Caderno Mais; (Tradução de Claro Allain) 01/04/2001 – disponível em http:/www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0104200110.htm
VIDAL, Vileci Basílio. O protagonismo dos camponeses na modernidade: inovação e mudança no território do Cariri. Vila Velha: Editora 4 Irmãos, 2014.




[1] Coordenador de pastoral na Diocese de Crato, assessor da Ampliada Nacional das CEBs e professor de filosofia.