domingo, 5 de maio de 2019

Igreja, povo da vida e pela vida


Pe. Cláudio Weber*

Corremos um sério risco de extremismos. Em tempo de crescente violência verbal e física, de muitos assaltos e assassinatos, de atentados e tragédias causadas pela incúria humana, a tentação é revidar com violência e pôr armas na mão do povo. Violência gera mais violência, agressão e morte. Nós somos o povo da vida e pela vida. A expressão é do Papa João Paulo II, em 1995, no doc. Evangelho da Vida n. 8.

Somos ou não o povo da vida? A finalidade desta pergunta é refletir sobre atitudes contrastantes de católicos que apoiam a pena de morte, o rearmamento da população, e que vibram com o bárbaro princípio de que “bandido bom é bandido morto”. Infelizmente, cada vez mais pessoas das próprias fileiras da comunhão eucarística exultam com a matança de assaltantes por policiais, como se a melhor folha de serviço destes servidores da ordem pública fosse um número mais elevado de mortes.

O que diz a vida de Jesus a respeito? Em Mt 5 Jesus diz que não veio para abolir a lei e os profetas, mas levá-los à perfeição. E cita explicitamente o 5º mandamento da Lei de Deus: não matar. Segue explicando que não basta abster-se da morte física, deixando claro que insultar, humilhar, caluniar, vingar-se - olho por olho, dente por dente - são também formas de matar. Em seguida, propõe o esforço de buscar a reconciliação, o perdão, rezar pelos inimigos, passar a amá-los, para que se convertam, se salvem, para que possam gerar frutos em benefício da sociedade.

Jesus não veio para condenar. Não permite que sejam eliminadas nem a figueira que não produz fruto (Lc 13,6-9), nem a mulher adúltera que a lei judaica condenava ao apedrejamento (Jo 8,11). À pecadora diz: “Vai e não peques mais”. Quanto à figueira, que simboliza todo ser humano, propõe que seja adubada - reeducada, fecundada pela Palavra da Vida - para que produza bons frutos.

Quanto teria perdido o cristianismo se Paulo que, por sua errônea visão ideológica, perseguia e prendia cristãos, tivesse sido ele próprio, preso e condenado?

Ao tomar conhecimento de manifestações de intensa e entusiástica vibração, da parte de membros da Igreja, pela morte de bandidos ou de mendigos e moradores de rua, ou mesmo de torcedores do time rival, só resta convidá-los a aderir ao Cristo que veio para que todos tenham vida. Cabe-nos colocar-nos ao lado de Jesus, que veio não para condenar, mas para salvar, veio não para quebrar a cana rachada nem apagar o pavio que fumega, até que se estabeleça o direito (cf Mt 12,13, citando Is 42,3).

Essa última expressão vem do contato que os judeus tiveram com a Babilônia no tempo do exílio. Nesse Reino, quando alguém era condenado à morte, um arauto do rei percorria a cidade com uma tocha sobre uma cana, anunciando a condenação. Se ninguém se manifestasse em defesa do condenado, o arauto deveria quebrar a cana e apagar o fogo, sinal de condenação irrevogável. Jesus, rosto da misericórdia de Deus, assume o sentido daquela expressão, porque não quer condenar ninguém, mas dar-lhe o direito e a oportunidade de mudar de vida. Nem sequer quebra a cana já rachada, nem apaga o resto da brasa do pavio que apenas fumega. Não quer a condenação irrevogável de nenhum ser humano.

Essa atitude a favor da vida é assumida pela Igreja em inumeráveis documentos oficiais, como Evangelium Vitae de João Paulo II: A todos os membros da Igreja, povo da vida e pela vida, dirijo o mais premente convite para que juntos, possamos dar novos sinais de esperança a este nosso mundo, esforçando-nos para que cresçam a justiça e a solidariedade e se afirme uma nova cultura da vida humana, para a edificação de uma autêntica civilização da verdade e do amor(nº 8).

Na mesma direção vai o Papa Francisco, ao mandar acrescentar uma nota ao Catecismo da Igreja Católica n. 2267, sobre a pena de morte: Por isso a Igreja ensina, à luz do Evangelho, que a pena de morte é inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e a dignidade da pessoa, e se compromete com determinação para sua abolição no mundo todo”.

Portanto, não mais a morte, nem os assassinatos de cidadãos comuns, de policiais, de pessoas inocentes, nem de criminosos; nem aplausos e festejos pela eliminação de pessoas, pois toda figueira pode ser adubada para gerar bons frutos. Afinal, somos ou não o povo da vida, que se lança com Cristo em favor de um mundo em que se possa viver bem e gerar melhores condições de vida para todos?
 

* Padre da congregação do Sagrado Coração de Jesus (SCJ). Vigário paroquial do Santuário São Judas Tadeu e responsável pelo acompanhamento da Comunidade Cristo Rei. Este artigo foi originalmente publicado no Jornal São Judas, edição 461, de maio de 2019.