Pe. Cláudio Weber*
Corremos um sério risco de
extremismos. Em tempo de
crescente violência verbal e física, de
muitos assaltos e assassinatos, de atentados e tragédias
causadas pela incúria humana, a tentação é revidar com violência e pôr armas na
mão do povo. Violência gera
mais violência, agressão e
morte. Nós somos o povo da vida e pela vida. A expressão é do Papa João Paulo II, em
1995, no doc. Evangelho da
Vida n. 8.
Somos ou não o povo da vida?
A finalidade desta pergunta é
refletir sobre atitudes contrastantes de católicos que apoiam a pena de
morte, o rearmamento da
população, e que vibram com o
bárbaro princípio de que “bandido bom é bandido morto”. Infelizmente, cada vez
mais pessoas das próprias fileiras da comunhão eucarística exultam com a matança de assaltantes por
policiais, como se a melhor folha de serviço destes servidores da ordem pública fosse um número
mais elevado de mortes.
O que diz a vida de Jesus a
respeito? Em Mt 5 Jesus diz
que não veio para abolir a lei e os profetas, mas levá-los à perfeição. E cita
explicitamente o 5º mandamento da Lei de Deus: não matar. Segue explicando que não basta abster-se da
morte física, deixando claro que insultar, humilhar, caluniar, vingar-se
- olho
por olho, dente por dente -
são também formas de matar. Em seguida, propõe o esforço de buscar a
reconciliação, o perdão, rezar
pelos inimigos, passar a amá-los, para que se
convertam, se salvem, para que possam gerar frutos
em benefício da sociedade.
Jesus não veio para condenar.
Não permite que sejam
eliminadas nem a figueira que não produz fruto
(Lc 13,6-9), nem a mulher adúltera que a lei judaica
condenava ao apedrejamento (Jo 8,11). À pecadora
diz: “Vai e não peques mais”. Quanto à figueira,
que simboliza todo ser humano, propõe que
seja adubada - reeducada, fecundada pela Palavra da Vida - para que produza
bons frutos.
Quanto teria perdido o
cristianismo se Paulo que, por
sua errônea visão ideológica, perseguia e prendia cristãos, tivesse sido ele próprio, preso e
condenado?
Ao tomar conhecimento de
manifestações de intensa e
entusiástica vibração, da parte de membros
da Igreja, pela morte de bandidos ou de
mendigos e moradores de rua, ou mesmo de torcedores
do time rival, só resta convidá-los a aderir
ao Cristo que veio para que todos tenham vida.
Cabe-nos colocar-nos ao lado de Jesus, que veio não para condenar, mas
para salvar, veio não para
quebrar a cana rachada nem apagar o pavio
que fumega, até que se estabeleça o direito (cf Mt 12,13, citando Is 42,3).
Essa última expressão vem do
contato que os judeus tiveram
com a Babilônia no tempo do
exílio. Nesse Reino, quando alguém era condenado
à morte, um arauto do rei percorria a cidade com uma tocha sobre uma
cana, anunciando a condenação.
Se ninguém se manifestasse em defesa do condenado, o arauto deveria quebrar a cana e apagar o fogo,
sinal de condenação
irrevogável. Jesus, rosto da misericórdia de Deus, assume o sentido daquela expressão, porque não quer condenar
ninguém, mas dar-lhe o direito
e a oportunidade de mudar de vida. Nem sequer quebra a cana já rachada, nem
apaga o resto da brasa do pavio que apenas
fumega. Não quer a condenação irrevogável de nenhum ser humano.
Essa atitude a favor da vida
é assumida pela Igreja em
inumeráveis documentos oficiais, como
Evangelium Vitae de João Paulo II: “A todos os membros da Igreja, povo da vida e pela vida, dirijo o mais premente convite
para que juntos, possamos dar
novos sinais de esperança a este nosso mundo, esforçando-nos para que cresçam a justiça e a
solidariedade e se afirme uma
nova cultura da vida humana, para
a edificação de uma autêntica civilização da
verdade e do amor” (nº 8).
Na mesma direção vai o Papa
Francisco, ao mandar
acrescentar uma nota ao Catecismo da Igreja
Católica n. 2267, sobre a pena de morte: “Por isso a Igreja ensina, à luz do
Evangelho, que a pena de morte
é inadmissível, porque atenta
contra a inviolabilidade e a dignidade da
pessoa, e se compromete com determinação para
sua abolição no mundo todo”.
Portanto, não mais a morte,
nem os assassinatos de cidadãos comuns, de policiais, de pessoas inocentes, nem de criminosos; nem aplausos e festejos pela eliminação de
pessoas, pois toda figueira
pode ser adubada para gerar bons
frutos. Afinal, somos ou não o povo da vida,
que se lança com Cristo em favor de um mundo
em que se possa viver bem e gerar melhores condições de vida para todos?
* Padre da congregação do Sagrado Coração de Jesus (SCJ).
Vigário paroquial do Santuário São Judas Tadeu e responsável pelo
acompanhamento da Comunidade Cristo Rei. Este artigo foi originalmente
publicado no Jornal
São Judas, edição 461, de maio de 2019.