(reflexão sobre o
Evangelho do 4º Domingo do Tempo Comum – 29/01)
Padre Adroaldo sj
“E Jesus começou a ensiná-los:
bem-aventurados...” (Mt 5,2)
O Evangelho
que nos foi confiado é um programa
para alcançar a felicidade, a vida ditosa, prazerosa, bem-aventurada. Na
boca de Jesus brilha sempre a palavra chave: “Felizes”.
A felicidade,
proclamada aqui por Ele, é já uma realidade presente na sua pessoa e na sua
missão.
Todas e cada uma das bem-aventuranças são autobiográficas.
Jesus viveu-as durante 30 anos antes de proclamá-las. Elas são, portanto, a expressão
do que constitui o centro mesmo da sua pessoa e da sua vida, dos seus
sentimentos, atitudes; numa palavra, do seu mistério.
Poderíamos dizer que as bem-aventuranças
são o auto retrato de Jesus. Elas
são o compêndio do ministério de
Jesus. Não é lei que se impõe
por si mesma; é confissão: “o Reino chegou”.
As
Bem-aventuranças não são uma doutrina, mas um estilo de vida, um modo de proceder. Jesus não prega diretamente
uma moral. Proclama a “irrupção” da graça, do amor, da
misericórdia, da justiça de Deus na história da humanidade.
Porque tem a
certeza de que chegou a “hora” de
Deus intervir na história, Jesus fica feliz e proclama “felizes” os até agora
indefesos, oprimidos e marginalizados, mas que mantiveram viva a confiança em
Deus.
Jesus fala da felicidade
não no singular, mas no plural. Em outras palavras, o que Ele afirma é que a felicidade
de cada um está em íntima relação com a felicidade dos outros, com quem cada um
convive.
Todos
sabemos que nas nossas igrejas fala-se muito mais da renúncia ao prazer, da
mortificação, do sofrimento, da austeridade, do sacrifício, da suportabilidade
e da resignação, ao passo que pouco se escuta sobre aquilo que deve mover as
pessoas a buscar ser felizes, a deleitar-se com tudo aquilo que de bom Deus pôs
no mundo e na vida, desfrutar o prazeroso, o sensível, o corporal. Não é comum
encontrar pessoas que, espontaneamente, associem Deus e a religião à alegria de
viver e, em geral, a tudo aquilo que nos faz sentir melhor, sentir-nos bem e
ser mais felizes.
Portanto,
o centro da fé cristã não está na religião com suas exigências de sacrifícios e
renúncias, com suas verdades e suas normas, mas na felicidade dos seres
humanos.
“A ética de Jesus é a ética do
prazer de viver para todos, da felicidade compartilhada por todos, sem
excluir ninguém. E isso é o que mais custa assumir e aceitar como projeto de
vida, porque a ascética mais dura não é a da renúncia, mas sim da doação” (José Maria Castillo).
Os enunciados das bem-aventuranças
soam à primeira vista como “idealistas”, “utópicas”, não
possíveis de serem colocadas em prática no mundo em que vivemos. No entanto, pela sua provocação e questionamento, elas são a
proposta mais realista, mais revolucionária e mais eficaz jamais pronunciada.
As bem-aventuranças são a exposição mais
exigente e, ao mesmo tempo mais fascinante, da mensagem e da “intenção
de Cristo”. Elas são a plenificação
daquilo que é o mais humano em nós.
Poderíamos
dizer que as Bem-aventuranças são a
quinta-essência do seguimento de Jesus.
De
fato, percebemos uma resistência surda frente às bem-aventuranças, não porque
nosso coração não se reconheça nelas, mas porque parecem tão impossíveis, tão
distantes estamos delas...; vivemos mergulhados em tantas contradições,
profundos dramas e violências que nos parecem desmenti-las. Incomoda-nos e
inquieta-nos sua mensagem de humildade, de mansidão, de paz, de pureza, de
misericórdia... quando, na realidade, estamos envolvidos em construir, em
fomentar um mundo que é arrogante, agressivo, violento, intolerante,
excludente, injusto...
Temos resistências em escutá-las
porque elas nos colocam de novo frente à verdade para a qual nascemos, diante
do mais original de nosso coração e de nossas entranhas humanas. A ética de
Jesus nas bem-aventuranças encontra resistência para ser assumida por nós
precisamente em virtude de sua desconcertante humanidade.
As bem-aventuranças nos
esperam no pequeno, no cotidiano, no próximo mais próximo, e nos impulsionam a
proclamar: a paz é possível, a alegria é uma realidade, a justiça não é um
luxo, a mansidão está ao alcance da mão... Elas nos dizem que nascemos para a
bondade, a beleza, a compaixão...
Ao formular as bem-aventuranças,
Mateus traça o perfil que caracterizará os seguidores de Jesus; elas condensam
as atitudes básicas que os cristãos devem ter na relação com os outros,
seguindo as pegadas do Mestre. Jesus propõe a ventura sem limites, a felicidade
plena para seus seguidores. Deus não quer a dor, a tristeza, o sofrimento; Deus
quer precisamente o contrário: que o ser humano se realize plenamente, que viva
feliz... Jesus acreditava na vida, e queria que todos vivessem intensamente.
Por isso, as bem-aventuranças podem
ser escutadas como uma mensagem que brota do mais profundo da vida e que tem
como finalidade apresentar a qualquer pessoa o mais humano que
existe em nós.
Ao proclamar bem-aventurados os
pobres, os que choram, os perseguidos, os humildes... Jesus, certamente, jamais
quis sacralizar a dor humana. Ele constata a situação do povo, de pobreza, humilhação,
submissão; percebe o esforço que o povo faz para mudar a situação, e o proclama
feliz nesta busca, porque esta busca mora no próprio coração de Deus.
Aos olhos de Jesus nada é mais
perigoso para o espírito humano do que vidas satisfeitas, acomodadas, sem
desejos, sem a afeição das esperas e o desassossego das buscas; corações
quietos, indolentes, medrosos, covardes, petrificados, sensatamente contentes
com aquilo que são e têm.
Como são, ao contrário, humanamente
repletos de vida os que quase nada são e têm, os que ainda se encantam com as
buscas, os que sonham e lutam por um mundo novo. Sua vida é penosa, sem dúvida,
mas repleta de razões, criatividade, entusiasmo e vitalidade.
As diferentes ciências (psicologia,
filosofia, antropologia etc.) nos fazem cair na conta de que todos os seres
humanos desejam ser felizes. Também elas nos permitem compreender que a felicidade não é uma situação
existencial que possamos agarrar e possuí-la. Também não é uma sucessão
interminável de prazeres que acabam por nos esgotar, mas uma forma
de ser e de viver. Ela não emana do que temos ou fazemos, mas do centro
de nosso ser.
A
felicidade que buscamos é o que
realmente somos, e isto só se revela
quando a mente se cala. Ser feliz, portanto, consiste em experimentar na existência
a plenitude de nossa verdadeira identidade.
Ser
feliz é deixar viver a criatura livre, alegre e simples presente dentro de cada
um de nós. A felicidade é, assim, o livre curso da vida, o fluxo contínuo da
Vida em nós que se “entre-tece” com a vida dos outros.
Texto bíblico: Mt. 5,1-12
Na
oração:
O melhor modo de
fazer esta oração é seguir um dos “modos de orar” proposto por S.
Inácio, ou
seja: “Contemplar
o significado de cada palavra da oração” (EE. 249).
* Rezar as dimensões da vida que estão paralisadas, impedindo-lhe de viver a
dinâmica das bem-aventuranças.
* Olhe no mais íntimo de você mesmo e
pergunte-se: há um coração que deseja coisas grandes ou um coração adormecido
pelas coisas? Seu coração conservou a inquietude da busca ou você tem se deixado
sufocar pelas “coisas”, que terminam por atrofiá-lo?