domingo, 28 de janeiro de 2018

Ensinava como quem tem autoridade

A temática sugerida pelo texto da prédica para este domingo é controversa e, em certa medida, até polêmica, qual seja: a possessão demoníaca. Justamente por isso, cabe um cuidado todo especial na interpretação e preparação da mensagem, para que não se chegue a um beco sem saída.

Acredito que é importante explicar para a comunidade o significado da palavra “espírito impuro”, para que fique mais claro o significado do ato de Jesus. Ou seja, Jesus não está lutando contra uma divindade, mas está se opondo a atitudes e ações que nos afastam de Deus.

É interessante destacar que, para Marcos, o primeiro milagre de Jesus foi justamente a expulsão de um “espírito impuro”. Para Marcos e para as pessoas da época, um “espírito impuro” era um poder do mal, algo hostil a Deus. As pessoas viviam com medo, sempre ameaçadas por coisas e pessoas que colocavam as suas vidas em perigo. A pessoa possuída pelo “espírito impuro” não poderia estar em comunhão com Deus, nem mesmo com as outras pessoas. Por isso elas eram afastadas e excluídas do convívio social.

Nesse sentido, cabe perguntar hoje pelos poderes que nos afastam do convívio com as pessoas e com Deus. O poder que nos tem afastado do convívio com Deus e com as pessoas é o pecado. O pecado, além de nos afastar de Deus, amarra-nos e nos torna dependentes. Assim, podemos destacar diversos poderes que nos tiram do convívio com Deus.

Na sociedade em que vivemos, há vários poderes que prejudicam nosso relacionamento com Deus e com o próximo. Numa sociedade em que crescemos ouvindo que o importante é ter e não ser, é comum vermos pessoas se perderem de si mesmas para conseguir ter o que querem. Dentro desse contexto, a ganância acaba levando as pessoas a mentir e a pisar em outras para adquirir o que desejam.

Nessa sociedade capitalista, as pessoas acabam se tornando escravas do dinheiro e também do trabalho. Como é comum ouvirmos pessoas reclamarem que não têm mais tempo para nada! Quando o ser humano se torna escravo do trabalho, então a família acaba sofrendo a ausência e a falta de atenção do pai, da mãe, da esposa, do esposo. A instrução e a educação dos filhos e filhas diante disso são relegadas a terceiros, preponderantemente à escola, levando ao estranhamento dos membros da família e à sua desintegração.

Além disso, a dificuldade de perdoar tem levado muitas pessoas a se afastar de seus amigos e até familiares. Quantas histórias de famílias que ficam anos sem se falar, porque ninguém quer dar o braço a torcer. O orgulho é mais forte do que o amor. Assim, essas pessoas são dominadas pela raiva, pelo rancor e pelo ódio.

Na sociedade em que vivemos, muitas pessoas se perdem em si mesmas e, num ato desesperado, procuram algo que as afaste do “poder do mal”. Cada vez mais percebemos o quanto as pessoas estão se apegando a crenças e fazendo delas o seu deus. Acreditam que, fazendo simpatias, podem reconquistar um amor perdido ou até mesmo resolver os conflitos em casa. Acreditam que os horóscopos podem mostrar o seu futuro e oferecer-lhes orientação. Fazem de amuletos e fitinhas o seu deus protetor. Sempre que o ser humano coloca a sua confiança em algo além de Deus, está se afastando do Deus verdadeiro e passa a viver possuído de “outros espíritos”.

Somente Jesus tem o poder de combater o poder do pecado. Perto de Jesus, nenhum mal tem poder. Somente Jesus tem o poder de afastar-nos do mal e aproximar-nos de Deus. Jesus veio exatamente para restabelecer a nossa comunhão com Deus.

Quando ouvimos os ensinamentos de Jesus, então reaprendemos o verdadeiro sentido da vida e somos libertos daquilo que nos domina. A palavra de Jesus tem o poder de transformar as nossas vidas e libertar-nos dos poderes que ameaçam a nossa liberdade.


Bibliografia
MESTERS, Carlos; LOPES; Mercedes. Caminhando com Jesus: Círculos Bíblicos do Evangelho de Marcos. 2. Ed. São Leopoldo: CEBI, 2008.
WEGNER, Uwe. Demônios, maus espíritos e a prática exorcista de Jesus segundo os evangelhos. Estudos Teológicos, São Leopoldo, ano 43, n. 2, p. 82-103, 2003.
Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2011 / Volume: 36

sábado, 20 de janeiro de 2018

“Vinde após mim, vos farei pescadores…”

Desenho reproduzido a partir de foto de Guarim de Lorena
Marcos 1.14-20 (NAA)

Depois de João ter sido preso, Jesus foi para a Galileia, pregando o evangelho de Deus. Ele dizia:

— O tempo está cumprido, e o Reino de Deus está próximo; arrependam-se e creiam no evangelho.

Caminhando junto ao mar da Galileia, Jesus viu os irmãos Simão e André, que lançavam a rede ao mar, porque eram pescadores. Jesus lhes disse:

— Venham comigo, e eu farei com que sejam pescadores de gente.

Então eles deixaram imediatamente as redes e o seguiram. Pouco mais adiante, Jesus viu Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que estavam no barco consertando as redes, e logo os chamou. E eles seguiram Jesus, deixando o seu pai Zebedeu no barco com os empregados.


Jesus chamou para serem seus discípulos pessoas de diferentes extratos sociais. Os primeiros, segundo a narrativa de Marcos (1.14-20), eram pescadores. Os irmãos Simão e André, que estavam lançando a rede ao mar, e Tiago e João que, embarcados, consertavam as redes.

Isso faziam no chamado Mar da Galileia, designação preferida pelo povo local, mas também conhecido como lago de Genesaré, ou mar de Tiberíades, por causa da cidade homônima assim designada em homenagem ao imperador romano Tibério Cláudio Nero César.

Não era exatamente um mar, mas um lago de água doce, na fronteira de Israel, Cisjordânia e Jordânia, que na parte mais extensa não tem mais que 19km de extensão e na mais estreita, 13km; está a 231m abaixo do nível do mar, e seu principal afluente é o Rio Jordão.

A indústria pesqueira era bastante importante na Galileia. As principais cidades da província ficavam às suas margens, ou bem próximas: Tiberíades, Cafarnaum, e na outra margem, Betsaida e Genesaré, entre outras. Caná, mesmo, não estava muito distante. Nazaré ficava num platô, no alto, subindo a montanha uns 350m acima do nível do mar, a apenas 25km do Mar da Galileia.

Enquanto esses irmãos faziam seu trabalho, passa por eles um jovem que não é do ramo pesqueiro. Era, antes, um “tekton”, um artesão. Ex-camponeses, os artesãos constituíam uma classe de operários que tiveram que se dedicar a vários tipos de serviço na construção civil.

Isso porque, em algum momento, eles ou seus pais haviam perdido suas terras por causa de dívidas a particulares ou ao Estado. Migravam, então, para a cidade a procura de trabalho, e acabavam se ocupando como pedreiros e carpinteiros ou outras atividades afins. Muito provavelmente essa deve ter sido a história de José, e por conseguinte, de Jesus.

Aconteceu que, certo dia, um desses carpinteiros e alguns pescadores se cruzaram.

O carpinteiro convoca os pescadores, mas todos sabiam que não seria para trabalhar na construção do grande palácio de Herodes que se erguia nas imediações. Ele os chama para pescar: “Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens [de gente]” (1.17).

Esse carpinteiro podia não entender muito de pesca, mas sabia tudo sobre “homens” [gente]. E quando se encontra alguém que sabe o ofício de amar a humanidade, só há uma coisa a fazer: deixar tudo e segui-lo, por onde ele for.

Pescar homens [gente] não é tarefa fácil. Isso porque perdemos em grande parte nossa humanidade. Para se fisgar humanos é preciso trabalhar na reconstrução da humanidade. É aí que a experiência do carpinteiro e a dos pescadores —dos operários da construção e da pesca— se complementam.

Construir a humanidade e pescar gente é implementar o Novo Mundo de Deus. Essa é a boa nova do Evangelho a qual somos convidados a abraçar como discípulos e discípulas no caminho da missão.

Rev. Luiz Carlos Ramos
Por uma igreja de mentes abertas, corações abertos e braços abertos

Para o Terceiro Domingo da Peregrinação após Epifania
| Ano B 2015, 1018)

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Superação da violência, justiça e os indefesos



 Laine de Amorim* e Paulo Flores**

Daqui a menos de um mês (para ser mais exato, 27 dias) começa a Quaresma, período em que a Igreja Católica realiza a Campanha da Fraternidade (CF).
Em 2018, a CF nos convida a refletir sobre a violência e as formas de superá-la. Além do tema “Fraternidade e superação da violência”, a Campanha deste ano traz o lema: “Vós sois todos irmãos” (Mt 23, 8).
Com a CF deste ano a Igreja quer “construir fraternidade, promovendo a cultura da paz, da reconciliação e da justiça, à luz da Palavra de Deus, como caminho para superação da violência”.
Chamamos a atenção para um dos caminhos para a superação da violência presente no objetivo da CF deste ano: a promoção da cultura da justiça à luz da Palavra de Deus. E o que é a “justiça à luz da Palavra de Deus”?
É tão somente a realização do projeto de Deus. À luz da Palavra de Deus, “a justiça se concretiza na partilha e na fraternidade, dirigindo a sociedade para a solidariedade e a paz. Exige, para todos, a distribuição igualitária dos bens e a possibilidade de participar das decisões que regem a vida e a história do povo. Na Bíblia, a justiça é eminentemente partidária, visando a defender a causa dos indefesos” (Pequeno Dicionário Bíblico. Bíblia Edição Pastoral).
Nos Estados Unidos, a terceira segunda-feira de janeiro (que neste ano foi dia 15 passado) é dedicada à celebração da igualdade racial. Na verdade, trata-se de uma homenagem ao Pastor Martin Luther King, que nasceu no dia 29 de janeiro. Trago isso ao texto porque Luther King travou uma luta pacífica contra as injustiças que eram cometidas contra uma imensa população de indefesos: os negros. O pastor deu a vida lutando por justiça, contra a violência. Para refletir mais sobre o tema, convido todos a lerem o texto de Marcelo Barros, publicado recentemente pelo Centro de Estudos Bíblicos. É fantástico!
O texto de Marcelo Barros contribui muito para a reflexão que convido todos a fazerem: É possível superar a violência em uma sociedade onde não haja justiça? É possível superar a violência sem defender a causa dos indefesos, dos injustiçados?
Em sua época, Jesus defendeu grupos sociais discriminados, como as mulheres, viúvas, prostitutas, pessoas com deficiência, crianças, migrantes (estrangeiros), pessoas de outras religiões... Todos pobres, indefesos e discriminados e injustiçados pela sociedade.
Estes e outros grupos ainda sofrem com o preconceito e falta de justiça em nossos dias.
Podemos dizer que as mulheres que exercem as mesmas funções do que um homem, mas recebem menos pelos mesmos serviços são injustiçadas? A desigualdade de oportunidade de ascensão profissional entre as pessoas é um tipo de violência? Pessoas que se relacionam com pessoas do mesmo sexo são injustiçadas? O espancamento e abusos de crianças é uma violência? Estamos mesmo dispostos a superar a violência?
Como cristãos, estamos dispostos a perdoar, ou bradamos pela pena de morte? Conseguimos nos controlar no estresse do trânsito das grandes cidades? Respeitamos as pessoas de religiões diferentes da nossa?
Concluímos este texto com uma reflexão de Martin Luther King: “...sempre insisti na justiça para o mundo inteiro, pois a justiça é indivisível. E a injustiça, onde quer que aconteça é uma ameaça à justiça em toda parte”.

* Psicóloga, membro do Círculo Bíblico da Comunidade Eclesial Cristo Rei, da Paróquia/Santuário São Judas Tadeu
** Jornalista, membro do Círculo Bíblico da Comunidade Eclesial Cristo Rei, da Paróquia/Santuário São Judas Tadeu

domingo, 7 de janeiro de 2018

Quem é meu próximo?



O “Roteiro de Oração na Vida Diária”, publicado pelos jesuítas, que pode ser visualizado e baixado gratuitamente, nos convida nesta segunda semana de janeiro “a rezarmos e nos deixarmos tocar pelas pessoas que nos cercam. A vida em grupo é fundamental para a existência humana, é impossível sobreviver sozinho neste mundo. Somos o tempo todo interpelados pelas marcas do outro em nossas vidas, e é somente a partir do outro que podemos nos perceber como diferentes, únicos, queridos e amados por Deus em nossas peculiaridades. Desse modo, a conscientização sobre nós mesmos perpassa a consciência que somos capazes de ter com relação aos outros, aos nossos próximos. A vida cristã nos faz questionar: ‘Quem é meu próximo?’. Jesus andava no meio do povo, a ouvir, acolher, ensinar, conversar, cuidar, Ele afetivamente restaurava a dignidade das pessoas mais empobrecidas e marginalizadas e nos exorta sempre a refletir sobre as belezas e os desafios da alteridade, da diferença, da diversidade. Somos convidados e convidadas a estabelecer relações de sensibilidade, cuidado, empatia, que reconheçam o outro na condição de sujeito, portador de direitos, dignidade, valor e liberdade, transcendendo assim a lógica do uso e descarte a qual nossa sociedade individualista nos impõe. Reconheçamos que, se por um lado cada ser humano é único e distinto, por outro, a condição humana e de filhos de Deus nos une a todos e todas.

Pedido para todos os dias da semana:
Senhor, dai-nos a graça de nos reconhecermos no outro e de sermos empáticos para com os irmãos.”

Acesse o roteiro na íntegra e leia também as reflexões para as semanas seguintes.